terça-feira, 7 de setembro de 2010

ADIV


Ela fala de uma forma peculiar. É feita de caminhos e escolhas... intermináveis escolhas. Quem ainda não pensou nela certamente se encontra ausente para ela: não lhe fala, não lhe chama, nem nela desespera. É dura. Tem sido dura para mim. Tem me feito suspirar muito, e penso tantas vezes nessas escolhas. No que nos faz colocar o pé e fazer o máximo de força com o calcanhar para lutar com a terra que está por debaixo do peso. Quem é que ainda não a sentiu?

Posso dizer vezes sem conta que ela tem sido má para mim (como qualquer outra pessoa), mas não deixo de sentir que em mim, tem sido especialmente dura. E apenas o meu combate reside nas escolhas, tentando de forma quase que desesperada para a tornar um pouco mais leve e menos maliciosa. Em meia dúzia de anos, ela conseguiu pôr-me de joelhos, chicoteou-me e cuspiu-me, com algum desdém. Culpo-lhe tudo isto. A minha mágoa, a minha inteligência, a minha arrogância e o meu querer ser melhor do que ela foi para mim porque acredito que ela não faz por mal, apenas não sabe ser de outra forma. Por vezes perco a minha luta com ela, tantas vezes que começo a perder conta do meu estado não lúcido e inconsciente, do meu não ser (porque sei que não sou), simplesmente não sou eu. Sou réplica do que fui, tal como cinzas após um incêndio, um estado consumido pela força da natureza, talvez pela minha.

Ela é feita de coisas e de pessoas, e talvez a essas é que devo tudo isto. Ao meu olhar para baixo de um andar alto e precisas de sentir que não estou presa por cordas e querer não ser salva. Nunca quero ser salva, quero que me deixem cair para poder sentir que mais alguma coisa se passa para além de mim e ela. E nunca quero que ela sirva de desculpa por tudo que me acontece. Não. Sou crente em mim e não nela, ela não me serve de muito a não ser o meu respirar ou a minha existência. A carne que vive em mim veio já apodrecida por gente que ela não tinha o porquê de a colocar cá. Estou cá por causa dela, mas por causa dela sou o mal que vive em mim.

Lembro-me de ser a criatura mais feliz que pudesses encontrar na rua, lembro-me também de beijar tudo que me deu, acho que tudo em mim sente falta dela: do seu sabor, da sua voz, das suas mãos e das suas carícias na minha face. É desprezo que ela me deixa dela agora, talvez porque eu desprezo-a igualmente também. Foi-me tirado uma parte de mim e por isso não a perdoo. Nada fiz eu para merecer tais golpes mortificantes no meu peito. Como é que o amor e a dor podem andar de mãos dados tão facilmente? Maldita que és, porque me fazes isto? Como posso eu caminhar se continuas sem parar em me puxar o pé?



Diana W.

domingo, 5 de setembro de 2010

Magical... is Nothing


No atravessar dos mares, já paras-te para pensar no porquê? Boa pergunta, com uma resposta de pura ilusão e nostalgia. Aquilo que me move nada mais passa por água por entre os rios, passa e nunca mais volta. É no acreditar que tudo se faz, na esperança de um interminável desejo de ser feliz porque é tudo que nós queremos nas nossas crenças. E quanto tudo que tu vives não passa de uma pura ilusão que criaste ao fechar os olhos e desejar? Uma grande parte que vives, uma parte que tu sentes e uma parte mais pequenina que é aquilo que eu desejo é: asneira, é merda e desgosto. Tal como uma ilusão de um mágico bem sucedido na sua carreira. Os olhos vêm apenas que o mágico mostra ao seu público. Tinha esperança de uma tela apenas esmorecida nas suas cores, mas afinal foi um truque de magia. Espectadora atenta que sou durante os truques (tentar descobrir os segredos de uma mágico profissional, eu mera espectadora) fui tal como qualquer outro iludido no mundo encantado do mistério, das mãos manipuladoras e dos bolsos furados.
Ainda acreditava apesar de tudo que o mundo mágico existia, que era possível dizer um "sim". Cresci e aprendi que neste mundo, se não formos todos mágicos, somos constantemente fodidos e fodidos e fodidos... E isso por magia, faz-nos desaparecer da caixa mágica para o buraco negro do mundo real.
Mas de alguma forma, acabo sempre por me arrastar de lá para a minha caixa mágica, porque eu sou assim para mim mesma. Não sou mágica, nem ilusionista, nem jogadora, sou do que sou feita. E quando achamos que temos heróis na nossa vida, percebemos que apenas não passa de um disfarce que necessitaram para ganharem por breves instantes, para apenas a ilusão mágica.
Não sou do tempo de mágicos, mas sim de poetas e de musas. Por isso, por muito medo que tenha de tudo, deixo uma mensagem fixa:
"Mágicos, por favor façam-me um favor. Fiquem fora da minha vida e deixem-me em paz. Prefiro estar coberta em merda do que vos ter junto dela!"
Os dias da ilusão acabaram para mim e para ti.


Diana W.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Rascunho para Publicação *


" O meu Herói diz - Fuck You - "


Diana W.

* rascunho de capa e título para o meu 2º livro

quinta-feira, 29 de abril de 2010

A "Força" Escondida

Só espero por uma palavra.
Quando me sinto uma peça de encaixe de algo indeterminado, afastado e sozinha, deito-me e revejo-me. Tudo toca e tudo foge com o medo de ser irrecuperável e negável. Temo. Temo por tudo que parece cada vez mais passar do possível para o céptico.
É tão simples, demasiado simples desaparecer com todo o incerto. Basta uma amostra. Basta um gesto para retirar toda a minha escuridão. Queria tanto ouvir...
(Conquista incerta)
Diana W.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Recusa de deitar no Chão


Eu não sou tu, sou eu.
Sou a que não dorme no escuro
E que escreve em papel.
Sou demasiado pensar e repensar,
A que aguarda por mais.
Não, eu não sou mais uma.

Sou a que se olha ao espelho
E vê para além de reflexos,
Para além de olhos negros,
Noites mal dormidas,
Roupas grandes e multicolores.
Sou pequenina na Era dos grandes
Da projecção do que deveria ser,
Não, eu não sou eu.

Sou notas soltas na melodia,
Sem destino no sentido.
Partitura inacabada do músico,
Versos brancos de um fluído destino,
Sou a que escreve história
E pinta seus caminhos.
Não, eu não sou o demais.

Não me olhem como vida,
Nem como sábia de frases feitas.
Sou a que fala sem parar,
Não por ter muito para dizer,
Mas por não querer silêncios.
Sou a que usa música para os momentos,
Sou a que pára para olhar
Para meu relógio usado e abusado.
Aí, se esse relógio me deixasse...
Não, eu não sou nada.

Sou muito entre muitas,
Mas eu não sou uma.
Sou eu. Eu quem escreve.
Eu quem deseja sem saber o que desejar.
A que acredita no fantasma dos espíritos,
Nas nossas almas corrompidas dos dias
Da dor, da insatisfação e até do amor.
Não, eu não sou uma.

Se sonhar me cortasse em bocados,
Esta cama pura de cor branca,
Seria feita perante ti
Da minha carne espalhando
A cor aveludada do carmim.
E nela ficaria deitada, quieta e sossegada.
Não, tudo que me faz ser, em tudo o que sou.
Não, eu não sou mais uma,
Não, eu não sou uma... Sou a tal!

(Olha-me da mesma forma)
Diana W.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Alberto por entre meus versos




Enquanto vejo a primeira andorinha a procura de ninho, agarro-me aos versos que tanto gosto. Aí s pudesse vivê-los, palavra a palavra, verso a verso...! Como um filme que nos faz suspirar, ou um livro que não conseguimos pousar por querer tanto uma realidade por entre as linhas.

Ouço o mestre a falar de rios e riachos, de flores e pastos. Gostava eu de poder escrever aqui que é assim que sigo a minha vida, não ter filosofias e ter apenas sentidos, mas não o farei. Creio que tudo se torna mais simples, mais belo, se víssemos das coisas apenas coisas, "porque veríamos nós uma coisa se houvesse outra?"

Agarro-me a estas linhas como alfaiates a remendar os nossas roupas: agulha, dedal, linha, ponto cuidadoso, dois bocados de pano, criação; horas gastas na mão do artista para transformar do velho, novo. Apesar do seu fingimento, consigo deliciar-me com as palavras, vejo-me na pele do artista. Sinto as suas dores, seus sonhos, seus medos, seus hábitos, tal como um actor com sua personagem. Não teremos todos as nossas máscaras?

Gostava que em mim fosse tão natural como respirar, mas não é. Tento que seja. Mas ao tentar, já deixou de ser. Sou apenas mais uma fingidora sem querer sê-lo. Finjo que sei o que digo entre os versos, finjo que sei os caminhos que me esperam, finjo que os receios não me atormentam. Finjo. A poesia como o levantar do vento.

Mas ao querer sê-lo, sinto-me tão leve como as andorinhas que vejo passar, leve e livre. A sensação dá-nos essa liberdade, de poder ver as coisas como elas são, de poder apenas tocar, sentir e cheirá-las; de ver a vastidão do mar, as suas ilhas e as andorinhas a passar e conseguir ver algo único e belo.

O sabor dos versos nos meus lábios, ó como te adoro poesia sensacionalista!



Diana W.

terça-feira, 9 de março de 2010

O despertar



A noite já dorme.

Mais um vez, o sono não aparece sem contar.

Por entre as fendas da janela, as luzes que batem e fogem pela noite despertam-me sempre que penso que é desta que vou cair no meu coma. Mas não, enganei-me. Fico assim, deitada a olhar aquelas luzes e as sombras que passam de carros daqueles que chegam tarde a casa, as portas a fechar e abrir finalmente para o silêncio lindo da noite...

Levanto a cabeça para satisfazer a minha curiosidade das horas, e de forma irónica, elas não param de passar... Mais uma vez, não consigo dormir. Estou cansada de não dormir, estas camas não são feitas para mim. Sou como o negro da noite e o assobio do vento, sempre presente embora pareça ausente.

Tento não desesperar pelas horas, e fecho os olhos. É o conselho que dão sempre: "Fecha os olhos e descansa!" Invejo quem assim o faz. Sou ser fraco e incansável que não consegue fazer algo simples como sonhar.

"Estás a dispersar em preocupações mais uma vez, desperta disso! Respira fundo e relaxa! Abraça quem está ao teu lado dorme, isso trará tranquilidade!" Sigo o meu conselho, é o mais acertado. Abraço-me e sinto-me mais segura. Vejo as sombras no tecto, ouço as portas a abrir e a fechar, mas sem o silêncio. Ouço a minha respiração acelerada e uma tão tranquila e pausada... Tão sereno, tão belo... Mas nesse mesmo momento não deixo de me sentir tão distante. Saudades das noites em branco a discutir cores e sem medo de dizer que tenho medo.



D.W

segunda-feira, 8 de março de 2010

Tabacaria




Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

F.P


João Carlos

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Transbordar


Volto a pegar nos livros
Pensei nunca mais pegar.
Confesso que voltei a sentir
Aquele bichinho adormecido
De livros, canetas e noites
Sem dormir com o seu despertar.
Voltar a ser sonhador de versos,
De estâncias e de dores.
Se sou bom em alguma coisa será nisso,
A minha voz.
Tive um bom sonhador como mestre.
Mero aprendiz de passos muito curtos.
Mas com alma que correcções
Nunca me arrancarão.

Olha... Voltei a falar!


João Carlos

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Areia do deserto nos sapatos



Depois de tudo parecer um deserto seco, percebo a minha secura e curo-me como um viciado do mal. Já não me perco em palavras, em noites sem descanso em frente a um caderno cheio de palavras e rabiscos. Em vez disso, perco noites sem descanso a olhar para o branco do tecto onde apenas entram os raios de luz sombria da rua pelas fissuras da janela. Sentir as palavras a fugir para pensamentos secos a profanar o altar onde orei e beijei.
Olhar-me ao espelho e não conseguir perceber. Passar os dedos pela cara e não perceber se eu estou desnutrida ou são meus dedos que estão secos, já não saber o que é pegar numa caneta, de sentir pinta por entre eles ou o esquecimento de sentir cortes a fazer barcos de papel. Mas enquanto o faço e tento perceber qual a razão da secura, percebo que em tempos não precisava de perceber, não precisava de um porquê. Sentia e vivia mesmo sem havendo porquês, e estranhamente não sei como me esqueci disso. Estava envolvida num mundo estranho e peculiar que era meu. Fantoche de teatro, escritora da imaginação, cantora do meu duche, dançarina do mundo, pintora da madrugada, pensadora a toda a hora...
Mergulho na água com a esperança de deixar o deserto. Quero a nutrição que a vida me dá diariamente. Quero as mãos pintadas do azul metálico e do amarelo canário, espalhando o resto da cores num arco-íris no tecto que costumava ser branco todas as noites; os barcos feitos de papel em cada mesa de café; quero estas palavras que nunca mais foram escritas por mim nem ouvidas por ele.
Só falta o meu ser acreditar em tudo sem perceber os porquês. Nada mais me falta a não ser eu a fazê-lo para o mundo, porque tu já me dás tudo isto em todos os dias que acordo ao teu lado e me beijas "Bom dia".



Diana W.